Os Cus de Judas – Antônio Lobo Antunes - 1980
“Os Cus de Judas” romance do escritor português Antonio Lobo Antunes que eu li exatamente na época do lançamento, nos idos anos 80, e a impressão que ficou foi de um texto complexo e de difícil compreensão. É uma obra autobiográfica, isto é, o autor-personagem narra fatos marcantes da guerra Colonial em África e todos os horrores lá vividos quando ele ainda atuava como médico psiquiatra. O romance é recheado de outros fatos importantes contando de maneira descontínua e meio desorganizada o reencontro de Portugal com suas raízes, com seu povo como forma de denunciar vários acontecimentos históricos.
“Os Cus de Judas” romance do escritor português Antonio Lobo Antunes que eu li exatamente na época do lançamento, nos idos anos 80, e a impressão que ficou foi de um texto complexo e de difícil compreensão. É uma obra autobiográfica, isto é, o autor-personagem narra fatos marcantes da guerra Colonial em África e todos os horrores lá vividos quando ele ainda atuava como médico psiquiatra. O romance é recheado de outros fatos importantes contando de maneira descontínua e meio desorganizada o reencontro de Portugal com suas raízes, com seu povo como forma de denunciar vários acontecimentos históricos.
A leitura significa viajar para um mundo descontínuo no tempo e no espaço onde o protagonista registra dois momentos que correm fragmentados, rompendo com certas convenções gramaticais, (sem nenhum tipo de pontuação) representando o seu modo de pensar, e o universo praticamente retalhado, despedaçado: seus pensamentos, seu monólogo interior, e supostamente seu diálogo com uma mulher na tentativa de conquistá-la e algo mais... e essa maneira de narrar inovadora, espontânea, meio surrealista e caótica incomoda o leitor forçando-o a formar uma terceira história, fazendo-o decifrar e desvendar os enigmas e testemunhando a guerra, o jogo de sedução e a desorganização do mundo.
São duas histórias paralelas: a viagem rumo ao passado representando a guerra colonial sob a ótica de um soldado português; e a do presente quando entra em cena situações que indicam uma presença feminina e a conquista amorosa.
A viagem do tempo presente dura apenas uma noite, enquanto que a do passado dura vinte e sete meses. A divisão dos capítulos no romance está em ordem alfabética, isto quer dizer que há uma certa coerência em sua (des)ordem, podendo ser comparado a um quebra-cabeça que, independentemente de onde se começar a montar, as peças sempre se encaixarão: “Iniciei o longo aprendizado pela agonia” (cap.B), começando sua narrativa de maneira (i)lógica, a guerra colonial que é a grande questão na obra. O primeiro capítulo é marcado pelo embarque para a guerra; o segundo, assinalado pelo segundo dia da viagem; o terceiro é a chegada a Luanda (frente de combate), assim a obra segue a sua viagem...
A arte rompe, desse modo, com seus padrões estéticos e com sua forma tradicional, surge a nova forma de narrar, e a retórica se renova.
Conclui-se que o grande elemento de presença no romance é o tempo passado e tudo nele está ligado à questão da memória e o narrador faz uso dela como fonte de informação para resgatar seu passado envolvido numa esfera psicológica. Ao fazer uso da memória o narrador estará se distanciando do tempo, surgem imagens onde não há fronteiras rígidas: “Se tudo vem à tona confusamente, como as imagens que num primeiro momento causam um grande impacto”. São situações confusas e surrealistas como de repente se vê ‘barcos entrando pela janela’ Cap. A. Decifre seu significado, caro leitor!
Os Cus de Judas é um dos títulos mais polêmicos de Lobo Antunes, remetendo o leitor a Portugal como o fim do mundo, lugar abandonado pelo progresso e pela memória. Portugal, país valioso de passado histórico, porém seu progresso em relação à Europa encontra-se estagnado e a memória parcialmente falha.
No decorrer do romance há informações importantes sobre a guerra colonial e outras relevantes de cunho cultural: literatura, cinema, artes plásticas, música e escultura. Nesta obra há a letra inteira de Paul Simon “ The problem is all inside your head”. In my head? Uma maneira de ilustrar o que representa a expressão "cus de judas".
A obra revisitada em 2011.
E hoje concluo que há no romance três guerras: a primeira em África como ponto referencial de toda narrativa; a segunda é a guerra da sedução que o narrador trava com uma mulher presente na narrativa apenas como ouvinte; a terceira é a guerra que o protagonista trava com ele mesmo porque ao narrar ele está demonstrando seus anseios, seu dilaceramento interior, desabafando ao mesmo tempo, através da crítica à repressão burguesa.
A obra tem um poder mágico de tirar o leitor de sua zona de conforto e de sua monotonia instigando sua criatividade; ela contém uma essência rica e profunda. A arte rompe com os padrões do passado e se renova. Aqui reina a criação absoluta, irreverente, identificando o homem com o meio em que vive, surge uma nova arte que trata das questões do nosso tempo.
Os Cus de Judas é um dos 1001 livros sugeridos para se ler antes de morrer.
Eunice Bernal
“The problem is all inside your head”.
Um comentário:
Muito pertinente sua análise! Parabéns!
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