quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A Sonata de Kreutzer e Dom Casmurro

Curiosidades Literárias (3)

Duas histórias de traição - A Sonata de Kreutzer e Dom Casmurro

História de traição é assunto bastante abordado e explorado na literatura. No realismo brasileiro e no realismo russo acontecem em dois momentos semelhantes: no romance Dom Casmurro de Machado de Assis e em A Sonata de Kreutzer de Leon Tolstoi. Essas são as duas obras que considero as mais polêmicas de toda história da literatura mundial.
 Dom Casmurro foi publicado em 1899, conta o caso de Bentinho, casado com Capitu e a eterna dúvida sobre a existência do adultério de sua esposa com o seu melhor amigo Escobar, não havendo em nenhum momento algo que comprove isso ficando apenas no campo das suspeitas do marido ciumento. Escrito em primeira pessoa, apresenta apenas a interpretação dos fatos presenciados pelo narrador-personagem que é o próprio esposo  Bentinho. O casal teve um filho chamado Ezequiel, e à medida que o garoto crescia ia ganhando características físicas e os modos de agir do falecido amigo de Casmurro, sob sua ótica. A polêmica em torno desta obra e a eterna dúvida se Capitu realmente traiu ou não o seu marido perdura até os dias atuais,  e nem o leitor tem essa resposta.
A Sonata de Kreutzer de Tolstoi foi publicado em 1889, ou seja, dez anos antes da obra de Machado de Assis, também tratando do delicado tema adúltério, e Tolstói abre sua obra citando o capítulo bíblico 5:13 de Mateus “Eu porém, vos digo: todo aquele que olha para uma mulher com desejo libidinoso já cometeu um adultério com ela  seu coração”.  Esta  novela consiste basicamente num monólogo do protagonista junto ao narrador, e o versículo não somente é citado como surpreendentemente estendido:  “ As palavras no evangelho no sentido de que todo aquele que atenta numa mulher para cobiçá-la, já cometeu adultério com ela, não se refere apenas às mulheres alheias, mas precisamente e sobretudo, a própria esposa”.

Tolstoi coloca aqui todas as situações de atrito de um casal, assim como muitos pensamentos que alguns classificariam como imorais. Retrata questões relativas ao papel do homem e da mulher numa sociedade em mudança, levantando questões universais sobre a moralidade das relações entre homens e as mulheres e os fatores que influenciam comportamentos de cada um desde os simples intintos gerados pela prória educação ou pelas convenções sociais em vigor.

A novela Sonata de Kreutzer é basicamente um diálogo dentro de um trem, entre um protagonista e o narrador, mas que poderia se encaixar muito bem como um monólogo, pois o narrador pouco interfere no discurso. Por diversas vezes o protagonista reforça a idéia de que a mulher deve manter-se incorruptível, "considerar a condição de virgem como a mais elevada", mesmo que isso culmine com a extinção da raça humana, fato considerado pelo narrador como inevitável, tanto pelos estudos religiosos quanto pelos científicos. É um relato amargo sobre como os relacionamentos entre homem e mulher vão desmoronando: brigas, traições e intolerância. "Mas, em nossos dias, o matrimônio não passa de um embuste". Descreve com desenvoltura o desgaste dos relacionamentos no decorrer do tempo: "Surgiam choques e expressões de ódio por causa do café, da toalha de mesa, assuntos que não podiam ter nenhuma importância, quer para um quer para o outro. Em mim, pelo menos, fervia frequentemente um ódio terrível a ela! Olhava às vezes como ela servia o chá, balançava a perna ou levava a colher à boca, como absorvia o líquido, fazendo ruído e odiava-a justamente por isto, como se fosse a pior das ações".

Chega a classificar todo homem como devasso e toda mulher como prostituta: "Assim como aquelas (as prostitutas) aplicam todos os seus recursos para atrair os homens, fazem estas também. Nenhuma diferença. Numa distinção rigorosa, deve-se apenas dizer que as prostituas a curto prazo são geralmente desprezadas, e as prostitutas a prazo longo, respeitadas".
Do mesmo modo que na célebre obra de Machadiana, o leitor de A Sonata a Kreutzer também ficará intrigado se a esposa de Pózdnichev o traiu o não. O marido ciumento, em certos trechos da narrativa, narra os fatos como se estivesse alucinado, isso de certo modo, se iguala as escalas do piano e violino da peça de Beethoven.

A Sonata de Kreutzer de Tolstoi toma o nome de “Sonata n° 9”  (Opus 47) para violino e piano de Beethoven, originalmente dedicada a George Bridgetwer, em 1798. Rodlphe Kreutzer encontra Beethoven, em Viena, sendo-lhe então dedicada aquela mesma Sonata, a qual ficou conhecida pelo nome de “Sonata de Kreutzer”, embora pareça que o afamado violinista nunca a tocou, é considerada a mais famosa peça escrita para estes dois instrumentos, onde violino e piano “lutam” corpo a corpo.

E Capitu, traiu ou não?

A possível infidelidade da esposa de Bentinho mexe com a cabeça dos leitores. Machado de Assis trabalha constantemente com a ambigüidade. Por mais que tentem provar que Capitu foi adúltera ou não, sendo impossível uma resposta definitiva para essa questão. José Bento, como narrador-personagem, elimina a possibilidade de Capitu se defender da acusação de ser uma adúltera, uma infiel. Uma parte da sua narrativa ele comenta que sua memória devido ao tempo que os fatos ocorreram é falha. Conclui-se que o discurso de Dom Casmurro é contraditório, já que ele alega essa deficiência e ao mesmo tempo diz ao leitor que está falando a verdade.

 Os olhos de Capitu: Bento, para convencer o leitor que de fato, foi vítima de traição, descreve e insiste, desde o início da narrativa, o olhar dissimulado e oblíquo de Capitu, que segundo José Dias assemelharam-se a de uma cigana. Ora, sabemos que os ciganos, no imaginário popular, são vistos como pessoas ardilosas, traiçoeiras. A todo momento   Bento repete isso para o leitor e narra fatos que a jovem, ao encontrar-se em situações embaraçosas, recorre à simulação.

- A mania de Ezequiel de imitar as pessoas é o argumento que Bento usa para provar que o menino não era o seu filho. Entretanto, os outros familiares não compartilham da mesma opinião, já que o menino imita todos e não somente Escobar.
Por isso admiro a genialidade de Leon Tolstoi e Machado de Assis. Duas obras fundamentais que não devem faltar em nossa biblioteca.

Machado de Assis deve ter se inspirado nesta obra de Tolstoi para escrever a sua mais polêmica obra.

Recomendo esses dois livros para todos que gostam de uma boa e instigante literatura.
Karenina Rostov

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