domingo, 6 de dezembro de 2009

A difícil arte de Avaliar

Ano letivo terminando... fazendo faxina  em alguns arquivos, encontrei este texto de 1996 perdido. O assunto é Avaliação. Tarefa nem sempre fácil, e é um assunto que nunca envelhece. Relevante nesse período.  Talvez sirva para consulta.


BOCA DE FORNO

“ – Boca de forno!
- Forno!
- Furtaram um bolo!
- Bolo!
- Farão tudo o que seu mestre mandar?
- Faremos todos, faremos todos, faremos todos...”

Acho que esta brincadeira é uma repetição do que acontece nas escolas. As crianças são ensinadas. Aprendem bem. Tão bem que se tornam incapazes de pensar coisas diferentes. Tornam-se ecos das receitas ensinadas e aprendidas. Tornam-se incapazes de dizer o diferente. Se existe uma forma certa de pensar as coisas e de fazer as coisas, por que se dar o trabalho de se meter por caminhos não-explorados? Basta repetir aquilo que a tradição sedimentou e que a escola ensinou. O saber sedimentado nos poupa dos riscos da aventura de pensar.

Não, não sou contrário a que se ensinem receitas já testadas. Se existe um jeito fácil e rápido de amarrar os cordões dos sapatos, não vejo razão para submeter os alunos às dores de inventar um jeito diferente. Se existe um jeito já testado e gostado de fazer moqueca, não vejo razões por que este cozinheiro se sinta na obrigação de estar sempre inventando receitas novas. O saber já testado tem uma função econômica: a de poupar trabalho, a de evitar erros, a de tornar desnecessário o pensamento. Assim, aprende-se para não precisar pensar. Sabendo-se a receita, basta aplicá-la quando surge a ocasião.

Senti isto muitas vezes, tentando pensar com minha filha problemas de matemática. É preciso confessar que isto já faz muito tempo, pois o que me restou de matemática já não me permite nem mesmo entender os símbolos que ela maneja. Claro que minha maneira de pensar era diferente da maneira de pensar de hoje. No meu ainda se cantava a tabuada... Mas o que me impressionava era a sua recusa de, pelo menos, considerar a possibilidade de que um mesmo problema pudesse ser resolvido por caminhos diferentes. Ela havia aprendido que há uma maneira certa de fazer as coisas, e que caminhos diferentes só podem estar errados. A conversa era sempre encerrada com a afirmação:

“Não é assim que a professora ensina...”

É como nos catecismos religiosos: o mestre diz qual é a pergunta e qual é a resposta certa. O aluno é aprovado quando repete a resposta que o professor ensinou.

A letra mudou. Mas a música continua a mesma.

Pois não é isto que são os vestibulares? Ao final existe o gabarito: o conjunto das respostas certas. Claro que há respostas certas e erradas. O equívoco está em se ensinar ao aluno que é disto que a ciência, o saber, a vida, são feitos. E, com isto, ao aprender as respostas certas os alunos desaprendem a arte de se aventurar e de errar, sem saber que, para uma resposta certa, milhares de tentativas erradas devem ser feitas. Espero que haja um dia em que os alunos sejam avaliados também pela ousadia dos seus vôos! Teses que serão aprovadas a despeito de seu final insólito: “Assim, ao final de todas estas pesquisas, concluímos que todas as nossas hipóteses estavam erradas.” Pois isto também é conhecimento.

Escondidos em meio à vegetação da floresta, observávamos a anta que bebia à beira da lagoa. Suas costas estavam feridas, fundos cortes onde o sangue ainda se via. O guia explicou: “A anta é um animal apetitoso, presa fácil das onças. E sem defesas. Contra a onça ela só dispõe de uma arma, estabelece uma trilha pela floresta, e dela não se afasta. Este caminho passa por baixo de um galho de árvore, rente às suas costas. Quando a onça ataca e crava dentes e garras no seu lombo, ela sai em desabalada corrida por sua trilha. Seu corpo passa por baixo do galho. Mas a onça recebe uma paulada. E assim, a anta tem uma chance de fugir.”

Acho que a educação freqüentemente cria antas: pessoas que não se atrevem a sair das trilhas aprendidas, por medo da onça. De suas trilhas sabem tudo, os mínimos detalhes, especialistas. Mas o resto da floresta permanece desconhecido. Pela vida afora vão brincando de “Boca de Forno...”

Rubem Alves
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BOCA DE FORNO

“ – Boca de forno!
- Forno!
- Furtaram um bolo!
- Bolo!
- Farão tudo o que seu mestre mandar?
- Faremos todos, faremos todos, faremos todos...”

Este texto de Rubem Alves aborda o ensino que é reprodutivo e não criativo, que não leva à reflexão, ao questionamento, à crítica. O saber é conduzido. Este saber tem uma função cômoda de interesse financeira e de evitar erros, pois a repetição, evita a reformulação que leva a gastos e investimentos. Dessa forma há um interesse muito grande dos dominantes que as pessoas apenas reproduzam um certo aprendizado, sem, contudo, recriar, inventar nada.

A essência do aprendizado se perdeu, pois o que ficou é seguir uma conduta preestabelecida, sem questionamento, sem ousadias. Seguem-se os modelos, ou seja, modelos fixos com objetivos políticos, econômicos e administrativos.

Encontramos na educação de hoje pessoas sem capacidade de questionar, criar e dessa forma incapazes de melhorar, de desenvolver, de especializar, de adquirir um crescimento intelectualmente, que são fatores que levam a uma melhoria social e econômica da sociedade.

Consciente da necessidade de explorar a criatividade e senso crítico do aluno, tento levá-lo a refletir e questionar sobre temas abordados em sala de aula, fazendo-o relacionar com o seu dia a dia.

As idéias apontadas no texto são reais e digo mais... são bem mais abrangentes, estão relacionadas a todo o contexto da vida. O homem reproduz aquilo que vê e aprende, sem ao menos comparar, refletir.

No colégio o aluno deve encontrar oportunidade de se desenvolver, de escolher um posicionamento e descobrir que tem capacidade de opinar, decidir, construir e mesmo reconstruir. O ensino brasileiro deve ser reformulado desde sua base. Não funciona cobrar uma melhoria, um bom desempenho em sua última etapa. Para se ter uma boa qualidade de ensino / aprendizagem deve se começar do início, partindo da conscientização da população e dos governantes.

Eunice Bernal
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Curso de Capacitação em Avaliação - Telecurso 2000 - Fundação Roberto Marinho

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