segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Os Terroristas do Cinema


Os Terroristas do Cinema

Moacyr Scliar

Há os que comentam o filme, os que falam no celular, os que comem, os que chegam tarde, os que saem antes do final...

O Guion - mais que um cinema, um estado de espírito - é um lugar de cinéfilos, de gente séria e bem-comportada. Por isso, foi uma surpresa quando, num sábado à noite, em plena sessão, um senhor se levantou e pôs-se a berrar com o espectador que estava atrás dele, quase chegando às vias de fato. Por quê? Porque, segundo dizia, tinha sido golpeado - através do encosto da poltrona, claro - pelos joelhos do outro cavalheiro.
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Esse incidente não é raro. Na verdade, é tão freqüente quanto irritante. Os cinemas hoje deixam bastante espaço entre as filas, mas não é impossível que uma pessoa com pernas especialmente compridas acabe perturbando quem está sentado na frente. Sérgio Bechelli, que não suporta tal situação, evita-a sentando na última fila - mas, em seus pesadelos, é perseguido por uma figura misteriosa que fica de pé, atrás mesmo dessa última fila, joelhando-o sem cessar. Lembram da terapia do joelhaço, usado pelo Analista de Bagé, o notável personagem do Verissimo? Pois aqui o que temos é o trauma do joelhaço. Melhor dizendo, um verdadeiro atentado, executado por membros daquela misteriosa organização chamada Terroristas de Cinema. O Terrorista do Joelhaço é um deles. Há outros, muitos outros. Em primeiro lugar, estão aquelas pessoas que falam. Falam em voz alta, comentando o filme, explicando-o, ou então falando de um assunto qualquer, que nada tem a ver com o que se passa na tela. Depois temos aqueles que falam, mas ao celular - uma categoria que resiste bravamente, apesar de todos os avisos prévios no sentido de que tais aparelhos sejam desligados. Avisos que para essas pessoas não têm qualquer importância: elas querem se comunicar, elas precisam se comunicar e o fariam de qualquer maneira. Temos até de agradecer que recorram ao celular e não a tambores ou fogueiras com sinais de fumaça.

E temos os que comem. Pipoca, naturalmente, que hoje se tornou sinônimo de cinema - há salas de exibição que ganham mais com pipoca do que com ingressos. Os sacos de pipoca são enormes, o que, além de ser um despropósito em termos de calorias e de gordura, representa um incômodo proporcional ao tamanho de tais barulhentos recipientes. Igual barulho, talvez pior, causam os pacotes de bala. E aí temos os refrigerantes. Copos plásticos são silenciosos, mas não as bocas que sugam, e que procuram aproveitar até a última gota, provocando uma espécie de estertor semelhante ao produzido por um camundongo moribundo (Mickey gostaria dessa).

Há outros ruídos. Arrotos são raros, mas flatos nem tanto (piores, porém, são os silenciosos, o equivalente dos gases usados na guerra química). E aí podemos acrescentar os que tossem e os que espirram, mas esses seguramente apresentarão atestados médicos mostrando que estão enfermos e que têm direito a tal.

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Diferentes são os que perturbam os espectadores com sua frenética movimentação. Em primeiro lugar, temos os que chegam tarde. Isso pode acontecer, mas quando chegar tarde se acompanha de uma discussão com a consorte sobre a escolha do lugar mais conveniente para sentar, podemos ter até meia hora de um debate que, convenhamos, interessa muito pouco a quem foi ali para ver o filme. Também temos os que trocam de lugar, em busca do ponto mais adequado de visibilidade.

Há, nessa categoria, uma figura muito especial e muito perturbadora: o cara que sai antes do final. Perturbadora, eu disse? Disse-o bem. Esse misterioso personagem nos enche de dúvida - e de culpa. Dúvida: por que saiu antes? Será que se sentiu mal? Será que tem um compromisso? Será que ele, notável crítico, está percebendo no filme fraquezas inaparentes a nós outros, comuns mortais? Daí a culpa: não deveríamos segui-lo, num espontâneo movimento de protesto contra a decadência da indústria cinematográfica?

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Finalmente, há espectadores que nos fazem sofrer e que absolutamente não têm culpa disso. Em primeiro lugar, o obeso. Há muita discussão sobre isso, e já se esboça um movimento, entre os gordinhos, de reivindicação de assentos especiais, mas enquanto isso não acontece, o problema está criado, para os abundantes e para os seus vizinhos.

E temos o Homem Alto. Esse, sim, é completamente inocente. Ele é alto, porque é alto, e pronto: ao contrário do gordo, não comeu demais, não fez nenhuma extravagância - está tudo no genoma. Mas aquilo que, numa cancha de basquete é um grande trunfo, no cinema pode representar um suplício. Uma vez, a tevê mostrou um engraçado documentário em que um sujeito altíssimo enlouquecia pessoas num cinema sentando na cadeira da frente - e seguindo-as quando trocavam de lugar.

Em geral, o Homem Alto não faz isso. Mas podemos começar a suspeitar de suas intenções quando ele vem de chapéu ou de turbante. E se estiver de cartola, não tenham dúvida: é um Terrorista de Cinema muito mal disfarçado.

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Inspirado na Crônica  - Os Terroristas do Cinema de Moacyr Scliar

1 – Os joelhos do espectador que sentou atrás de nós: de vez em quando incomodam! 
2 – Pessoas que já assistiram ao filme e ficam comentando cenas ou diálogos. Ô, mala!
3 – Os “críticos” de plantão, durante a projeção. Vai ver se estou na esquina!
4 – Celular ligado, mesmo com avisos prévios: trimmmmmmmmmm!
5 - Celular ligado e atendido: alô, alô marciano!
6 – Celular ligado e não atendido:: trimmmmm-trimmmmmm-trimmmm-trimmmm.....
7 – Comedores de pipocas; chomp, chomp, nhac, nhoc!
8 – O barulho dos saquinhos; treask, shiat..., shisssk...
9 – O barulho dos papéis de balas: the same!
10 – A guerra químico-fisiológica” (silenciosa) e disfarçada: pummmmmmk!
11 – Bocas sugando até a última gota de refrigerante; shooooooouuuuuuuuuu....
12 – Os atrasados que procuram lugar quando o filme já começou: toc-toc; toc-toc...!
13 – Os atrasados que procuram lugar, constrangidos, e sentam em qualquer colo disponível: ai, mermão, foi mal!
14 – Os que mudam de lugar várias vezes (os baixinhos): licença, licença! Ai,ui!
15 – Os que nos obrigam a mudar de lugar algumas vezes (os altos): licença, com licença! Ai-ai! ui-ui! 
16 – Os que se retiram antes do final do filme, nos deixando com grande interrogação: gostei, não gostei, não tô entendendo nada! 
17 – Os que estão um pouco acima do peso que nos fazem sofrer e nem notam: braços ou pernas roçando...
18 – Os namorados que não vão para assistir ao filme e nos perturbam (seja lá por que motivo for).
19 – Os namorados que durante a projeção se aproximam e se afastam, nos obrigando a um exercício corporal mais rigoroso que o da academia: smaaaack, smaaack!
20 – Os inquietos que mexem mais do que a cena na tela: mala sem alça ao quadrado!
21 – Os que espirram, suspiram, bocejam ou tossem. Ou pior. Putz!
22 – Os que saem da sala e voltam procurando o mesmo lugar: licença!
23 - Os que, sentados ao nosso lado, se esparramam na poltrona, e não nos dão nenhuma chance de usar o encosto para os braços. Sem comentário!
24 – Os perfumados em excesso: atchiimmmmmmmm!
25 – Os que deveriam ter usado algum perfume: ATCHIMMMMMMMM!
26 – Os que não estão nem aí para o filme e ficam olhando para todos os lados, principalmente para o relógio, esperando alguém: TIC-TAC, TIC-TAC.... ô chato!
27 – Finalmente, os que deveriam ter ficado em casa.  Muito obrigada!
Karenina Rostov

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