segunda-feira, 25 de abril de 2011

Cópia Fiel

Cópia Fiel (Copie Conforme, 2010)

“Nada se cria, tudo se copia.” Chacrinha

"Cópia Fiel" é um filme com roteiro instigante, do iraniano Abbas Kiarostami, diretor do ótimo e premiadíssimo “Gosto de Cereja” e de  "Dez". Cópia Fiel é o seu primeiro longa rodado fora de seu país, sendo atores e ambientes de múltiplas nacionalidades, inclusive o tema abordado no qual não há fronteiras entre origens e línguas, sem dúvida, todos os povos se reconhecerão.   

É a história do escritor inglês James Miller (William Shimell) que vai para uma cidade italiana lançar o seu livro sob o título de Cópia Fiel. Entre os convidados no momento do lançamento está Elle (Juliette Binoche) dona de uma galeria de arte que se senta na primeira fila ao lado do tradutor do livro e ambos mantêm um diálogo íntimo, ao pé do ouvido, transformando o célebre momento em conversas paralelas, ora mostrando o casal, ora o escritor em sua explanação e logo a seguir a entrada de um garoto (Adrian Moore) que a cumprimenta e depois vai se encostar em um dos cantos do salão e de lá começa um diálogo não-verbal com a sua mãe.

Elle deixa um cartão com o tradutor para que ele entregue ao escritor e se retira com seu filho bem antes do término desse evento.

Na verdade, o assunto instigante do filme é a própria idéia contida no livro recém-lançado, que vai tratar do valor da cópia em relação a um original. A partir daí tudo é uma viagem entre a obra cinematográfica e o expectador. O próprio Kiarostami deixa isso claro, justificando que a interpretação é livre. E o filme  transforma-se em um passeio entre o casal que na realidade parece se tratar de dois estranhos, e que podem ou não querer se conhecer.

Esse filme me conduziu a algumas viagens: lembrei-me do filme de Eduardo Coutinho o “Jogo de Cena” que já falei aqui em outra ocasião, quando o momento é mera encenação ou é fato, atores e anônimos transitando neste filme brasileiro declamando o mesmo texto, e ficamos sem saber quando é real e quando é apenas interpretação, como diz o próprio título 'jogo de cena'. Lembrei-me também do polêmico diretor Orson Welles no maravilhoso filme “F for Fake” (aqui traduzido por Verdades e Mentiras). Cópia Fiel de Kiarostami e Verdades e Mentiras de Welles, são cópias fieis da ilusão, e ótima invenção. Na verdade o próprio cinema é pura invenção, o filme é imaginação onde nosso cérebro faz com que imagens paradas aparentem estar em movimento. O expectador faz parte desse jogo de cena que dura menos de duas horas.

O escritor diz que tudo é cópia da cópia e mesmo assim tem seu valor como o original. O homem é cópia da cópia do DNA dos pais dos pais de alguém. Andy Warhol deu nova roupagem ao produto Coca-Cola; repetimos frases e discursos que acreditamos ser nossos originais e que alguém já deve ter dito há milhares de anos antes.

O próprio filme que assistimos ou no cinema ou em casa é cópia fiel de um original. Orson Weles ficou famoso aos 23 anos de idade quando em 1938, transmitiu em cadeia de rádio nos EUA sua versão de Guerra dos Mundos e provocou pânico na população que achava se tratar de invasão alienígenas. Muitas obras de arte nos museus são cópias bem feitas de seus respectivos originais; muitos textos literários de autores anônimos passam tranquilamente dados como de grandes autores, Luiz Fernando Veríssimo que o diga; Elmir de Hory, famoso falsificador de quadros pintou telas que juramos ser da autoria de Van Gogh, Picasso, Matisse e muitos outros.

Já no desfecho deste filme Cópia Fiel, o escritor e Elle, passam tranquilamente a idéia de um casal que após 15 anos de casamento resolvem fazer uma segunda lua de mel. Quem não acreditaria nisso? Eu fiquei na dúvida. A obra de arte da sua essência à criação sempre foi reproduzível. Tudo o que fazemos pode ser imitado e copiado.

Mas de fato, existe Cópia Fiel? Uma foto é reprodução de outra foto, assim como irmãos gêmeos: olhe atentamente e diga se essas meras reproduções são cópias autênticas. Na segunda metade do filme o casal que parecia ser dois estranhos ganha intimidade, assumindo papel de marido e mulher, trazendo à tona muitas lembranças mútuas de sentimentos e emoções desgastados pelo tempo, por anos de matrimônio e vida em comum. Verdadeiro ou falso? Cópia ou original?

O essencial na arte e na vida é como fazer para incorporar aos anseios aquilo que será fiel ao nosso modo de sentir pensar e gostar, ao nosso relacionamento amoroso, a fidelidade no amor. Cópia Fiel toca em vários temas relevantes, principalmente sobre o que realmente é autêntico, relativo ou absoluto; real ou cópia.

E sempre o que se quer e se procura é ser fiel no amor, na vida, no sonho, no jeito de ser. Uma obra de arte única, original e exclusiva.

Vale a pena conferir este novo original de Kiarostami. Esse meu texto nada tem de original; é cópia da minha interpretação desse delicioso filme.

Recomendo. Veja cópia deste original de preferência num telão.
Karenina Rostov

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Copie Conforme
França / Itália , 2010 - 106 minutos
Drama
Direção: Abbas Kiarostami
Roteiro: Abbas Kiarostami
Elenco: Juliette Binoche, William Shimell, Adrian Moore

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