domingo, 6 de junho de 2010

GAVETAS


- Salvador Dalí e Clarice Lispector, o que eles têm em comum?

- Simplesmente GAVETAS.

São dois artistas completamente diferentes, talvez nada em comum, exceto as gavetas que cada um carrega consigo. Salvador Dali fez parte de um movimento artístico bastante inquieto, várias correntes artísticas, interpretando e expressando a realidade, o mundo sob vários prismas, que propunha a valorização da fantasia, do sonho, da loucura, sem se preocupar com a lógica.

Salvador Dali realizou em 1936 uma releitura da escultura Vênus de Milu. Vênus. A mesma imagem, com esses acessórios mobiliários. Gavetas que cobria todo o corpo da deusa. Que mistérios ou segredos são lá guardados? As gavetas de Vênus, o que elas contêm que desconhecemos, além da beleza física? Algo Surrealista?!

O visitante pôde matar a curiosidade passando de observador para explorador da valiosa obra, que esteve em um museu do RJ, com os seus sentidos: visão e tato. (Como ficou o sexto sentido, será que aguçado?)

'...desengavetar o que está coberto pela exterioridade física desse corpo que nem permite nele se perceba tudo o que está guardado ou engavetado, de tão coberto que está. A abertura das gavetas na fronte, seios, abdômen, ventre e até uma inflexão do joelho, realiza as etapas dessa tarefa de dar visibilidade a uma vida interior à vida exterior que as gavetas semi-abertas deixam entrever que podem vir a ser inteiramente adentrada e conhecida.'


Numa exposição recente no Rio de Janeiro, revelando a obra da escritura brasileira Clarice Lispector que trouxe muitas inovações para a literatura, tanto no que diz respeito à temática, quanto no que se refere à estrutura da narrativa, e que morreu há mais de 30 anos, o que chamou a atenção foi a sala dos armários. Um imenso gaveteiro foi montado, cobrindo todas as paredes até o teto, totalizando 2000 (duas mil gavetas). Pelos cantos, algumas cadeiras e escadas. Os visitantes mais curiosos podiam escolher as que queriam abrir. Nem todas as gavetas tinham chaves, apenas 65 delas. Podia se sentar nos bancos ou estofados a fim de explorar à vontade e desvendar os tesouros e mistérios da escritora. Clarice deixou algumas chaves para o seu leitor, outras ela levou. As que abri, encontrei algumas cartas pessoais, sua identidade, seu passaporte, fragmentos de textos, rascunhos, perfume, maquiagem, os originais, tudo ali instigava a imaginação.... Muitas gavetas estavam trancadas. O que ela guardava que seria segredo? Mistério...


Uma vida guarda tantas gavetas, necessárias ou não.
Cheia de mistérios,
Muitos segredos...
Gavetas vazias, ainda sem uso,
Gavetas cheias de coisas não usadas
Gavetas com papéis inúteis
Gavetas desarrumadas
Gavetas sujas
Gavetas que necessitam de conserto
Gavetas pequenas para coisas que não cabem dentro
Gavetas enormes e sobram espaços
Gavetas antigas
Gavetas entreabertas
Gavetas fechadas.
Gavetas sem chaves...
Gavetas que só se abrem por dentro...

Gaveta foi a ponte que inventei para trazer à tona bons momentos e algumas lembranças desses dois artistas formidáveis, que escolhemos para fazer parte de nosso mundo, nos presentearam com suas artes e que guardamos em nossas gavetas.
E.B.

2 comentários:

Unknown disse...

Incrível!!! Estava pesquisando para um trabalho que estou montando, um solo com textos da Clarice Lispector, o cenário é um tablado com gavetas ao redor, lembrei da pintura do Dali escultura Vênus de Milu. e achei essas gavetas recheadas!
obrigada

E Bernal disse...

Olá, Paola, seja bem-vinda!

Bom saber que de certa forma o texto 'GAVETAS' te ajudou na montagem do seu solo.

Salvador Dali foi genial ao recriar a Vênus, achei a ideia original e, por isso, aproventando a deixa, juntei ele à Clarice Lispector de um outro momento, uma exposição sobre a vida dela que reti na memória e acabei transformando ambos nesse mosaico.

E dizem que água e óleo não se misturam...

Ah, não se esqueça de me convidar para prestigiar o seu trabalho. Rs.

Volte sempre!