quinta-feira, 26 de julho de 2007

Sobre o conto O ALIENISTA


O Alienista - Machado de Assis (resumo e comentários)
O Doutor Simão Bacamarte, cientista de nomeada, monta, em Itaguaí, um hospício, a Casa Verde, onde pretende executar seus projetos científicos. Pretende separar o reino da loucura do reino do perfeito juízo, mas a confusão em que ambas se misturam acaba aborrecendo o Doutor, que, para levar a efeito a seleção dos loucos, tem que saber o que é a normalidade. Assim, qualquer desvio do que era o comportamento médio, a aparência pública, qualquer movimento interior, que diferisse da norma da maioria era objeto de internação. O hospício é a Casa do Poder, e Machado de Assis sabia disso muito antes da antipsiquiatria de Lacan e das teses de Foucould.


No início, o projeto do Dr. Simão Bacamarte é bem recebido pela população de Itaguaí, mas a aprovação cessa quando o médico passa a recolher na Casa Verde, pessoas em cuja loucura a população não acredita. O barbeiro Porfírio lidera uma rebelião contra o hospício que é sufocada.

Numa primeira etapa, são internados os que, embora manifestassem hábitos ou atitudes discutíveis, eram tolerados pela sociedade: os politicamente volúveis, os sem opiniões próprias, os mentirosos, os falastrões, os poetas que viviam escrevendo versos empolados, os vaidosos, etc.
Para pasmo geral dos habitantes de ltaguaí, Simão Bacamarte, um dia, solta todos os recolhidos no hospício e adota critérios inversos para a caracterização da loucura: os loucos agora são os leais, os justos, os honestos etc.

A terapêutica para esses casos de loucura consistia em fazer desaparecer de seus pacientes as "virtudes", o que o Dr. Simão Bacamarte consegue com certa facilidade. Declara curados todos os loucos, solta-os todos e, reconhecendo-se como o único louco irremediável,o médico tranca-se na Casa Verde, onde morre alguns meses depois.

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Joaquim Maria MACHADO DE ASSIS é, sem dúvida, um dos mestres incontestáveis da arte do conto, indiscutivelmente, um dos maiores escritores da literatura universal, de sua grandeza e genialidade. Talvez, com todo o entendimento humano, com uma vasta experiência investigativa e especialista no autor, não seria suficiente para conhecermos e entendermos o mínimo desse seu ilimitado mundo e seu significado, de fantasia e transfiguração do espírito e da realidade, de sua importância e talento excepcional, mas sabemos que em toda nossa cultura moderna, dificilmente encontraríamos um manancial mais rico e mais puro de idéias em favor do homem e de sua elevação intelectual e moral de toda a sua obra, e vale lembrar de um verso do poema “A um bruxo com amor” de Carlos Drummond de Andrade, que diz: “Outros leram da vida um capítulo, tu leste o livro inteiro”, onde praticamente resume e podemos ter uma idéia considerável de sua importância e motivo de nosso entusiasmo para ressaltarmos e traçamos observações sobre o conto “O Alienista”.

Publicado pela primeira vez no jornal A ESTAÇÃO, sob a forma de folhetim, entre outubro de 1881 a março de 1882, e, nesse mesmo ano, concluído em Papéis Avulsos (livro de contos), alcançando repercussão imediata, indicando-o ao posto de um dos melhores contos, uma obra-prima de nossa literatura.

Esse é, com certeza, um dos contos mais formidáveis de Machado de Assis, cuja temática central, desenvolvida com uma certa dose de ironia, conduz o leitor numa eterna reflexão sobre os limites entre a insanidade e a razão. Em torno dessa temática, circula uma série de tramas que nos transportam ao nível da reflexão implicando temas variados dentro da trama central: loucura; limite entre razão e loucura; o poder da palavra; a loucura da ciência, e o que se faz em nome dela e outros aspectos que permitem determinar o que é loucura, porém, considerando que todos somos diferentes e extrapolamos, às vezes, o limite em diferentes aspectos da vida.

O autor lembra a relatividade das coisas e, principalmente, da alma humana, através do tema subjacente do homo absurdus, descreve momentos trágicos e analisa o procedimento humano mostrando a impossibilidade do transcorrer normal da vida porque ela é absurda por natureza. O movimento do querer (essência humana) gera a angústia e a dor, que somente serão superados por aqueles que estão além da razão.
Nesse conto, Machado de Assis dá ênfase especial ao questionamento do tema LOUCURA, o que é e o que ela significa, satirizando a filosofia, a atividade mental, por meio de uma personagem que se suicida mentalmente, recolhendo-se ao hospício, ao ver a inutilidade e a falência de seu raciocínio; faz desaparecer os limites entre ela e a razão, porém, não menosprezando, outras subestórias de relevância: CIÊNCIA E PODER, sendo possível todas andarem paralelamente num mundo verbal precioso e a abundância de detalhes.

O herói de “O Alienista” é o médico Simão Bacamarte, apresentado ao leitor com toda solenidade que requer um epíteto grandioso de “o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas”. Formou-se na Universidade de Coimbra, mas veio para o Brasil, Rio de Janeiro, mais especificamente exilando-se em Itaguaí, um fim de mundo que o doutor chamava de “meu universo”. Entregou-se de corpo e alma ao estudo da ciência, alternando as curas com a leitura. Homem culto por excelência, releu todos os escritores árabes e outros e até enviava consultas às universidades italianas e alemãs. Utilizava-se de métodos nada convencionais para tratar de seus pacientes, como fez com sua própria esposa, D. Evarista, em uma de suas enfermidades abusando de experiências meio que exageradas, e não duvidando de sua eficácia.

Bacamarte pensa que a ciência é tudo (casa-se com uma mulher insossa, mais jovem e pouco atraente apenas porque ela, cientificamente, lhe daria bons filhos, e isso não acontece). Ao cabo de algum tempo ele decide construir um manicômio, para internar os doentes mentais que andam soltos ou trancados de modo subumano. Mas sua concepção de loucura vai se alargando, e aos poucos, mais e mais pessoas vão sendo internadas, algumas por nada. A cidade vai revoltando-se em silêncio, alguns tentam fugir (alguns são capturados nisso), pensam que Bacamarte o faz por motivos pessoais; mas não, o faz por amor à ciência, tanto que pediu para não mais receber dinheiro para cuidar dos loucos. A revolta vai ganhando voz e a saúde mental do alienista duvidada . O povo em dado momento se revolta, e prestes a marchar contra o hospício (Casa Verde), é impedido pelos Dragões. Mas os Dragões se juntam a eles. Eles derrubam o governo municipal e seu líder, o barbeiro, toma o governo da vila. O outro barbeiro lidera uma revolta e, após uma estranha reviravolta, Bacamarte volta a ter apoio da Câmara. E continua internando os loucos, incluindo a esposa (vaidosa após voltar do Rio de Janeiro) até que percebe que 80% da população está na Casa Verde. Liberta todos e passa a capturar todos aqueles que gozam perfeitamente de suas capacidades mentais, que eram exceção na cidade. Ao fim de um ano e pouco, a Casa Verde encontra-se vazia, todos os são, simples, modestos e bons devidamente enlouquecidos. Bacamarte então faz auto-análise e, após discutir com outros, se recolhe à Casa Verde e morre depois de um ano e meio, sem sucesso em curar-se de sua sanidade.

A Casa Verde seria a instituição, o mundo, onde o povo insano era recolhido e tratado. O psiquiatra Bacamarte, em seus estudos, reformula o conceito de loucura, durante uma palestra com o boticário da cidade e seu confidente, diz-lhe que “A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente”. As teorias sucessivas de Simão Bacamarte alargava ou reduzia terrenos da razão e da loucura, expondo definições do que seria patologia e sanidade em termos mentais.

Há, na obra, uma grande preocupação em fixar a problemática do homem universal, buscando inspiração nas ações cotidianas e no homem comum. O autor penetra na consciência das personagens, sondando-lhes o funcionamento e captando os impulsos contraditórios dos seres humanos, desmascarando o jogo das relações sociais, enfatizando o contraste entre a essência e a aparência, em que o sucesso financeiro é o objetivo primordial. O homem deixa de ser o centro, mas passa a ser parte de um sistema. Há algumas características marcantes, no conto, que não podemos deixar passar despercebidas: apreensão da realidade, o não-eu em nível de realidade e descrição, a precisão de detalhes, ocupando o lugar central enquanto técnica narrativa.

Sendo o século XIX “mais real que a própria vida” o autor transmite essa realidade, analisando em profundidade o mundo psicológico, observando o ambiente e, penetrando na alma humana a fim de desvendar “os abismos da consciência e do sentimento”.

A estrutura do conto é baseada numa linguagem hiperbólica que pode ser evidenciada através das tramas em que estão envolvidos as personagens, como D. Evarista e Porfírio, sendo estes levados ora à grandeza, ora à redução. Exemplificando, com o próprio prédio da Casa Verde que, em momentos da narrativa se encontra Superlotado e, no final, se reduz a um único habitante. No caso de D. Evarista, ocorre uma surpreendente transformação, ou seja, com a inauguração da Casa Verde, ela é vista pelo leitor como uma ilustre dama e, após algum tempo, este mesmo leitor adquire uma visão oposta à mesma personagem, pois a situação, se inverte. Em outro momento, Bacamarte e Porfírio debatem a situação deste, que, no momento se encontra no auge de sua ambição política, como chefe do movimento revolucionário. Aparentemente,

Simão Bacamarte sai vencedor, utilizando-se de seu discurso convincente.

Machado narra as tramas com a ironia habitual, com malícia e intromissões, envolvendo ainda mais o leitor e personagem no mundo verbal.

A palavra, no conto “O Alienista” tem uma função importante e representativa, observa-se por seu intermédio, os objetivos das personagens centrais Simão Bacamarte, D. Evarista e também de um “louco” da Casa Verde, que têm medo de falar porque as estrelas cairiam; outro sujeito que se chamava João de Deus, acreditava ser Deus João, e prometia o reino dos céus para quem o adorasse.

O jogo de palavra, por vezes, não tem significação concreta, como o termo “Bastilha da razão humana”. O poder da palavra é convincente, com ou sem significação. O efeito é sempre profundo, mobilizador e funcional. O próprio narrador se utiliza da palavra para fugir a determinadas explicações e satisfações devidas ao leitor e ainda, para se manter tão próximo e, ao mesmo tempo, tão distante da narrativa.

Ainda há a considerar o aspecto estilístico. Machado atinge nessa obra o ápice de sua perfeição no que concerne à maneira pessoal de usar a língua, na escolha das palavras adequadas ao tema, nos padrões imagísticos, no ritmo, na linguagem figurada. Determinadas personagens, como os primeiros “loucos” levados à Casa Verde, sofrem o poder da palavra, sendo classificados como tais, isto é, como “loucos”. O poder da palavra nos leva, então, à demência verbal ou a sermos sábios. Em muitas passagens, Simão Bacamarte se utiliza do poder verbal para defender a Casa Verde, diante de Porfírio e do povo de Itaguaí, ilustrando a complexidade da mente humana: “A loucura se exprime pela palavra. A palavra conduz à loucura”. (...)

O universo verbal nesse conto é perfeitamente aplicável ao problema da fixação de fronteiras entre o normal e o anormal da mente humana.

“A loucura de Bacamarte é a loucura da Ciência e a loucura da Ciência consiste em não saber seus limites e suas articulações.” Costa Lima

Partindo do princípio de que a loucura da ciência ignora seus limites e articulações, que estariam envolvidas com critérios sócio-político-econômicos, podemos afirmar que Bacamarte é personagem representativo dessa loucura da ciência, sendo assim, sua loucura a loucura da ciência. Entregando-se de corpo e alma à ciência, ele ignora sua família, o homem enquanto indivíduo, a sociedade; esquece-se de seus limites, interfere na vida individual, familiar e até mesmo na passividade de Itaguaí. Bacamarte esquece que a ciência não é pura nem se cria a partir do nada, mas que ela envolve aspectos comuns a toda uma população.

Porfírio induz Bacamarte a questionar seu compromisso com a ciência. Esta deve estar articulada à política e ambas devem estar voltadas para a sociedade de Itaguaí. Porém, a política legítima, não o propósito da pesquisa de Bacamarte, e sim o que lucraria com ela. Assim, ele deixa de lado, num determinado momento, o povo de Itaguaí reforçando desta maneira, ainda mais a loucura da ciência.

A loucura da ciência consiste em não ter pré-requisitos para decidir onde ela começa e termina a razão e vice-versa. E é na Casa Verde, em Itaguaí, que Simão Bacamarte define limite e fronteira da razão e da demência, pois a Ciência lhe dá esse poder, ficando assim, a conceituação de loucura submetida ao seu arbítrio.

No conto percebemos a existência de vários núcleos temáticos: as subestórias. Na primeira subestória, o autor envolve a relação de Bacamarte e D. Evarista, onde ele questiona o absolutismo da ciência. Em seguida, apresenta uma segunda subestória, onde a relação ocorre entre Porfírio (poder político) e Bacamarte (ciência). Percebemos a ascensão repentina de personagens secundários que, às vezes, se elevam quase a protagonistas em certas tramas, nessas subestórias.

Através da proposta de Simão Bacamarte, de pôr em prática toda a sua teorização da “razão” e da “loucura” , surge a Casa Verde, contracenando com a vida pacata de Itaguaí.

Com todo o movimento causado pela construção desta Casa, surge a insatisfação do povo, tendo como personagem representativo, que sai do plano das personagens secundários e assume papel central desse movimento: Porfírio. Essa insatisfação pode ser observada no capítulo VI, quando o movimento dos Canjicas, liderado por ele, pelo Porfírio, vai à casa de Bacamarte na tentativa de resgatar a legitimidade do “povo” de Itaguaí. Porém, Porfírio e seus seguidores foram sempre surpreendidos pelo poder convincente da linguagem utilizada por Bacamarte, resultando numa dispersão momentânea, havendo uma retomada do povo logo em seguida, se efetivando, desta forma, o poder de Porfírio na Política.

Contudo, vemos surgir o interesse do povo na proposta sugerida por Porfírio, em prol de interesses pessoais de Bacamarte e dele, que não estavam preocupados nem com a “Ciência do futuro” nem com as reivindicações do povo, mas dentro dessa esfera da loucura e sanidade, normal e anormal, na sociedade Itaguaiense, impôs essa ideologia para todos.

"Mas o ilustre médico, com os olhos acesos de convicção científica, trancou os ouvidos à saudade da mulher, e brandamente a repeliu. Fechada a porta da Casa Verde, entregou-se ao estudo e à cura de si mesmo. Dizem os cronistas que ele morreu dali a dezessete meses, no mesmo estado em que entrou, sem ter podido alcançar nada. Alguns chegam ao ponto de conjeturar que nunca houve outro louco, além dele, em Itaguaí; mas esta opinião, fundada em um boato que correu desde que o alienista expirou, não tem outra prova, senão o boato; e boato duvidoso, pois é atribuído ao padre Lopes, que com tanto fogo realçara as qualidades do grande homem. Seja como for, efetuou-se o enterro com muita pompa e rara solenidade." O Alienista

O conto deixa-nos várias interrogações a esse respeito, fazendo com que o próprio leitor se volte para si mesmo e, ao menos, tente elaborar um comentário crítico e reflexivo sobre suas atitudes.
É evidente que tudo isso se mostra muito relativo, sendo que até mesmo o extremo da razão pode corresponder à própria loucura.

É um conto que tem uma identidade forte e muito marcante.
Eunice Bernal (Karenina)

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2 comentários:

hits. disse...

Muito bom obrigado cara =]

E Bernal disse...

Olá, seja bem-vindo!

Esse foi um trabalho da Faculdade. Bom saber que está servindo para consulta didática para muitos.

Um abraço e obrigada pela visita!