"Ivo viu a uva." Diz a cartilha do aluno. Muito criticado por educadores dizendo que Ivo, morador do Nordeste nunca viu ou verá uva, que o método de alfabetizar nesses moldes, estava ultrapassado.
Muitas coisas que NUNCA se verá e isso não implica em nada saber da sua existência, seu formato, seu sabor, sua fronteira... muito menos no mundo atual que tem-se excesso de informação. Divergência à parte, nem mesmo sendo como São Tomé.
Um texto que gosto muito de usar nas primeiras aulas do ano letivo é o AUTO-RETRATO (antes da reforma ortográfica) de Graciliano Ramos, como forma lúdica de descontrair e quebrar o gelo, e depois, cada um fazendo o seu próprio em sala de aula, uma forma do aluno se apresentar.
Foi nesse texto que conheci a cidade do autor QUEBRÂNGULO - AL. Nunca estive lá, nessa terra, mas soube da sua existência pela literatura. O que me deixou triste nesta semana é ter notícia da ilustre cidade e sua tragédia. Como diz a manchete de um certo jornal: 'O nosso Haiti é no Nordeste', que infelizmente não está errado. A catástrofe em Alagoas e em Pernambuco varreu do mapa várias cidades pela fúria das águas; pessoas, a cultura, a memória e o patrimônio do país desapareceram em questão de segundos.
Enquanto o mundo se delicia com a Copa, essa notícia nada boa acontecendo para desestabilizar nossos momentos felizes. Sinto pela memória do escritor e deixo aqui o auto-retrato dele que representa um pouco o meu , o seu e de todo o povo brasileiro.
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Auto-retrato aos 56 anos – Graciliano RamosNasceu em 1892, em Quebrangulo, Alagoas.
Casado duas vezes, tem sete filhos.
Altura 1,75.
Sapato n.º 41.
Colarinho n.º 39.
Prefere não andar.
Não gosta de vizinhos.
Detesta rádio, telefone e campainhas.
Tem horror às pessoas que falam alto.
Usa óculos. Meio calvo.
Não tem preferência por nenhuma comida.
Não gosta de frutas nem de doces.
Indiferente à música.
Sua leitura predileta: a Bíblia.
Escreveu “Caetés” com 34 anos de idade.
Não dá preferência a nenhum dos seus livros publicados.
Gosta de beber aguardente.
É ateu. Indiferente à Academia.
Odeia a burguesia. Adora crianças.
Romancistas brasileiros que mais lhe agradam: Manoel Antônio de Almeida, Machado de Assis, Jorge Amado, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz.
Gosta de palavrões escritos e falados.
Deseja a morte do capitalismo.
Escreveu seus livros pela manhã.
Fuma cigarros “Selma” (três maços por dia).
É inspetor de ensino, trabalha no “Correio do Manhã”.
Apesar de o acharem pessimista, discorda de tudo.
Só tem cinco ternos de roupa, estragados.
Refaz seus romances várias vezes.
Esteve preso duas vezes.
É-Ihe indiferente estar preso ou solto.
Escreve à mão.
Seus maiores amigos: Capitão Lobo, Cubano, José Lins do Rego e José Olympio.
Tem poucas dívidas.
Quando prefeito de uma cidade do interior, soltava os presos para construírem estradas.
Espera morrer com 57 anos.
(Morreu aos 60 anos.)
Solidariedade neste momento é importante, ajudando as vítímas com doações de alimentos e água.
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